sábado, setembro 23, 2006

Da motivação para se seguir em frente

Não sei exatamente o que me leva a escrever este texto. Talvez por que os outros temas estejam se esgotando. Dentre os últimos já falei de experimentação animal (que até hoje gera comentários e discussões), falei também de beleza, no último deles. Já falei também da avaliação do curso médico com uma prova de qualificação. Pensando em novos textos tenho como temas futuros já bem estabelecidos o vegetarianismo e a relação entre ciência e fé, por exemplo. Aguardo ansiosamente os comentários.


Já faz alguns anos que comecei a pensar sobre isso. Penso que deve ser algo que todos já tenham pensado. O que se quer da vida? Por que querer isso? Como querer isso? Pra que querer isso? Essas últimas apenas têm sentido se respondida a primeira. Neste momento podemos invejar nossos pequenos colegas camundongos. Mesmo com um genoma 97% igual ao nosso, ele não tem tamanhas preocupações, e, se tem, não é por motivos tão sérios, ou melhor, tão complexos quanto os nossos. As grandes preocupações dos pequenos animais são do tipo comer e dormir.

Aí se encontra o primeiro ponto que eu gostaria de discutir. Temos todos essas necessidades básicas, que são exatamente aquelas nas quais coincidimos, em comportamento, com os camundongos. Uma pessoa com fome ou com sono, possui problemas diferentes daquelas que tem estas questões básicas por ora resolvidas. Se pensarmos, não são situações extremamente complexas. Podem ser resolvidas comendo e dormindo. Nada poderia ser tão fácil.

Fácil na aparência. Se pensarmos num trabalhador cuja preocupação é conseguir aqueles míseros trocados diários para poder matar a fome, não teremos uma situação "fácil". Quando uso esta palavra refiro-me à complexidade. Esta pessoa é mais comparável a um camundongo do que um adolescente em depressão sem motivo aparente. Podemos assim criar um conceito de "necessidades primárias", claro que ele é mutável ao nosso gosto e neste momento podemos incluir nessa categoria as necessidades de comer e de dormir.

Estando nossas necessidades primárias resolvidas, temos tempo para pensar em coisas um tanto mais elaboradas e talvez não tão importantes por classificarmos as mesmas como "secundárias". Penso que essa distribuição de valores é pouco válida mesmo nesse plano de idéias que estamos tecendo. Para um sujeito esfomeado é claro que a fome tem peso maior do que qualquer outra coisa. Para nosso jovem deprimido talvez essa depressão seja tão importante e presente que o deixe sem fome. Quão grande não seria o número da totalidade de verdadeiros níveis de representação? Infinitos, respondo. Não há necessidade alguma de ficarmos elaborando uma lista do primeiro ao enésimo grau de valor de importância de uma sensação. Pensemos apenas como primárias e secundárias à medida que temos umas anteriores filogeneticamente às outras.

E o que é a motivação? A motivação é aquilo que nos faz seguir em busca de um objetivo. Conscientemente ou não. Um tigre tem sim a motivação para caçar, ou então não caçaria. Nós temos a motivação para chorar, para demonstrar o amor por uma pessoa, para ouvir atentamente uma bela canção. O que gostaria de tratar, especificamente é daquela motivação que nos faz sair de um estado de catatonia, ou de um estado depressivo. Diferente da motivação que nos fez entrar nesta armadilha dos nossos pensamentos, a motivação para sair dela é diferente. Se pensarmos bem, esta motivação seria uma somatória de fé, desejo, esperança, superação. Chamarei essa resultante ainda de motivação. Não por que haja um "motivo" em questão (eu acho que há), mas por ser uma palavra multiuso, de significação ampla.

Durante o curso de psicobiologia, uma coisa que me chamou a atenção foi a terapia cognitiva e comportamental. Mais do que qualquer distúrbio nas neurotransmissões de um determinado tipo de neurônio, sempre pensei em uma falha da estruturação de pensamentos como causa de depressões. Pequenas falhas, às vezes imperceptíveis, podem nos levar ao completo desespero e à agonia, sendo que estes momentos preferivelmente devem permanecer apenas nas lembranças. O principal valor destes momentos é realmente o da experiência. O de saber como é. Mas, como muitas outras coisas, não é necessário sofrer para se dar o devido valor.

Acho que para continuarmos, precisamos definir depressão (nestes momentos eu apelo para o Wikipedia, afinal, uma boa discussão, para ser produtiva tem que conter os mesmos conceitos, ao contrário a discussão ficara acerca apenas dos conceitos, e não será nem iniciada, de fato): Depressão é um estado de tristeza, melancolia ou de desespero, tão avançado ao ponto em que um indivíduo perde sua função social e tem prejuízo nas atividades do dia-a-dia. Assim sendo, muitos de nós estaríamos deprimidos ou "quase deprimidos" com certa freqüência, correto?

A depressão pode ser deixada no momento em que surge uma corda para nos tirar do seu labirinto. O caminho existe, mas há de se segui-lo para se livrar da condição. Nem sempre a corda está evidenciada e a esta corda podemos dar o nome de motivação. A motivação é o caminho. A energia para percorrê-lo também deve existir. De nada adianta termos um mapa que aponta para a saída de um labirinto se não podemos andar. Essa imobilidade pode ser tanto causa quanto efeito da depressão, ou de uma condição "paralisante". Costumo pensar nela mais com uma conseqüência. Assim, para sair deste estado, podemos tratar das nossas pernas, nos apoiarmos no ombro de um amigo, ou calcar nossos sonhos na esperança e, por fim, nos agarrarmos à corda, seguindo-a rumo à saída.

Agora falemos da corda e da força que nos guia através dela. Por que a corda é a motivação e não a força? Na verdade ambas são faces diferentes da mesma moeda. A corda é mais material na nossa análise, então fica ela como nossa referência para a motivação. Esta corda nasce do puro instinto egoísta. Vejamos: o maior interessado em sair deste estado é o próprio indivíduo que o possui. Todo o apoio que vem dos amigos, da família, dos prazeres diários que ele não é mais capaz de sentir não são nada além de pequenos estímulos para a vontade própria da pessoa ser despertada e dirigida para sair desta condição para voltar a viver com plenitude. O instinto de sobrevivência e o egoísmo presente em todas as espécies conhecidas são as forças motrizes que impulsionam através da corda.

O que estou dizendo, é que nossa "motivação para seguir em frente", título desse texto é constituída de egoísmo e de instinto, em sua pura essência. Quase nada, além disso, é capaz de superar uma armadilha plantada na nossa mente com tamanha eficiência. Nossa motivação tem de ser algo egoísta. Podem parecer um tanto egocêntricas estas idéias, mas na verdade o altruísmo também é egoísmo. O paradoxo se desfaz quando percebemos que o fato de se ajudar e auxiliar os outros só faz sentido se trouxer prazer ou sensação de recompensa ao indivíduo praticante do mesmo. Uma essência evidentemente egoísta. Não há nada de errado nisso. Não gostaria estar colocando uma "estampa indelével de nossa origem evolutiva simplória" no ser humano, ao falar dessa maneira. Mas estou. Darwin acertou também nisso.